Um dia, em finais de 1987, fui buscar o Mário, à pensão onde vivia no Porto e trouxe-o para Lisboa, junto com a Manuela de Freitas. Os dois estavam nessa altura a ensaiar uma peça de Miguel Rovisco, no TEP (Teatro Experimental do Porto), quando houve desentendimentos entre o Mário e a direcção do TEP. A Manuela telefonou-me para os ir buscar. Foi o começo de uma bela amizade como se dizia no Casablanca.
O elenco do TEP - Teatro Experimental do Porto em 1986?.
Enquanto esteve no Porto, Mário Viegas encenou 4 peças: Em 1985, Teatro de Cordel de vários autores, adaptação, encenação, cenografia e figurinos de Mário Viegas; 1986, A Birra do Morto de Vicente Sanchez, adaptação, encenação, cenografia de Mário Viegas; 1986, Mário Gin-Tónico de Mário Henrique-Leiria, encenação e cenografia de Mário Viegas; A Catástrofe de Samuel Beckett, tradução de Luiz Francisco Rebello, encenação e cenografia de Mário Viegas; 1987, Um Homem Para Qualquer Pátria de Miguel Rovisco, encenação e cenografia de Mário Viegas.
Noticias no Se7e, de A Birra do Morto e Mário Gin-Tónico
(versões TEP) e de um recital de poesia de Garcia Lorca. 1986.
Noticias no Se7e sobre Mário Viegas no Porto.
Noticia no JL sobre a estreia no FITEI de 1987, da peça “Um Homem Para Qualquer Pátria” de
Miguel Rovisco, peça que faz parte da sua “Trilogia do Heróis”, com encenação de Mário Viegas.
Noticia no Jornal de Letras, onde já se notava um certo desencanto. 1987.
Anuncio do TEP em Lisboa, 1987. Com as peças
"Catástrofe" de Samuel Beckett e Mário Gin-Tónico.
Noticia sobre a ida de Manuela de Freitas para o TEP a convite de Mário Viegas.
Noticias no Se7e sobre Mário Viegas no Porto.
Noticia no JL sobre a estreia no FITEI de 1987, da peça “Um Homem Para Qualquer Pátria” de
Miguel Rovisco, peça que faz parte da sua “Trilogia do Heróis”, com encenação de Mário Viegas.
Noticia no Jornal de Letras, onde já se notava um certo desencanto. 1987.
Anuncio do TEP em Lisboa, 1987. Com as peças
"Catástrofe" de Samuel Beckett e Mário Gin-Tónico.
Noticia sobre a ida de Manuela de Freitas para o TEP a convite de Mário Viegas.
Miguel Rovisco e Mário Viegas
«Em Portugal não há jovens. Há crianças e crianças envelhecidas e por isso não há criação. As pessoas com 25 anos ou mais são obrigadas a enfrentar problemas. Mas não os resolvem, o que seria uma atitude de maturidade. A juventude em Portugal tem muito que sofrer porque tem muito que aprender. Não tem respostas e não se esforça por tê-las.»
(Miguel Rovisco)
Carta de Miguel Rovisco para Mário Viegas em 1986 e
noticia da morte de Miguel Rovisco em Outubro de 1987.
Lisboa, 21 de Julho de 1986
Mário,
Como é sabido, por vaidade todo o autor escreve as suas obras para que estas sejam lidas; no que respeita a cartas, então é meio mundo a escrevê-las para meio mundo as ler. Há, contudo, honrosas excepções: tal como a minha parente sentimental para o seu cavaleiro Chamilly, também eu neste momento posso afirmar que escrevo para mim próprio. A modéstia! Primeiro, porque o meu pessimismo patriótico não crê que uma carta deitada num marco dos correios em Lisboa consiga alguma vez atingir o Porto; segundo, porque o meu bom amigo respeita-se o suficiente para compreender que se esta epístola começa mal há-de acabar ainda pior, e assim sendo terá a delicadeza de a pôr de lado – queime-a – sem passar além deste parágrafo. Bom, agora que estou positivamente certo de que escrevo “pour moi même”, abalanço-me com toda a liberdade. O narcisista!
... Mas há-os aos pontapés, a eles – só que eu sou-o e não me exibo, ao passo que eles são-no e se exibem por todos os lados e todos os lagos. Os narcisos, claro! Como lhe informei no nosso único encontro, tenho vindo a fazer parte do júri do Festival de Teatro Amador de Lisboa 86 – ninguém me avisou a tempo, a mim que nada percebo destas coisas, embora o devessem ter feito. Aí os membros do júri! Ai as pessoas conhecidas dos membros do júri! Ai ainda as pessoas que os membros do júri não conhecem mas que se dão a conhecer... – juri-lhe (leia-se: “juro-lhe”), ó Mário... e tu, ó pá, que me não avisaste! Se o teatro é isto (refiro-me a ele como um todo, não apenas ao amador), que faço eu aqui metido?
Em teatro odeio os bons actores – deixemos de lado os que se julgam bons -, para admirar incondicionalmente os saltimbancos. O que é necessário: um teatro de estrada e de talento que substitua o actual teatro de conservatório e de subsídios. O teatro converteu-se numa espécie de religião da qual, à abundância de pregadores, Deus achou por bem ausentar-se – aquilo já nada era a ver com ele. A pioria, contudo, está nas “tournées” pedantes: tudo torna ao mesmo sítio. Ao mesmo igual. E diz-se que o povo ficou mais culto. O povo, claro, não deu por isso (o-festival-de-teatro-em-setubal, só de pensar nisso me arrepio...). Porque o teatro, salta aos olhos, não é para o povo. Faz-se teatro, claríssimo, com o único objectivo do subsídio. O objectivo é que o ministério se agrade de nós. Que o subsídio, ó actores, sempre subsista! (Depois desta minha curta experiência pelos palcos – horrível, pelos bastidores -, eis o meu grito de guerra: “Abaixo o teatro, vivam os ciganos!”)
Quanto ao que eu tenho feito dia a dia, bem pouca coisa! No meu emprego, como estamos entrados nos últimos seis meses do ano, preencho com paciência bíblica milhares de fichas com as duas palavrinhas que me valem os 25.000$00 mensais: “2º Semestre”. (Entre nós, com manha chulista abrevio a palavra “semestre” para “2º semen” – e é vê-las, as coleguinhas da função pública a abanarem-se do calor com as fichas cheias disso! A gente por cá diverte-se assim.) No outro dia, à tardinha, registou-se a catástrofe atómica da televisão ter dado o berro para depois nem mais um pio, precisamente – há maldade nestas coincidências do universo – no início da telenovela. Enquanto a minha mãe se disparava para a casa de banho, finalmente tomada a consciência da precária situação da mulher na sociedade deste século – “que eu até vomito o jantar, que não sei o que hei-de fazer à vida” -, eu ofereci-me um passeio pelo Jardim da Estrela. Eram nove da noite, mas ainda entardecia: eu de gravata e descalço – pois é verdade que me descalcei. Como foi bom! Como me passou a neura, por sentir ainda o morno da terra na planta dos pés. Lamentavelmente, vi-me forçado a escrever mais um poema... – já não é inspiração aquilo, é mania! Mas o verde eterno das árvores, isso é sempre agradável. A propósito, faço tenções de ter um busto no Nacional, apesar de tudo, e uma estátua a corpo inteiro no Jardim da Estrela, perto do coreto, para alívio da perna alçada de qualquer rafeiro. Evidentemente – porque se apressa você em tirar conclusões? – isto sucederá uns trinta anos depois da minha morte - e, também é de evidência, cantar-se-á um Te Deum. Este sim, merecido.
Não lhe pergunto como vão as coisas aí pelo T.E.P., porque cá ou lá a trampa deve ser a mesma. Quanto a mim, que ainda não sou obra de arte, hesito se deverei ou não pôr de lado a escrita dramática. É certo que, desde o nosso encontro primaveril, escrevi mais uma peça e já tenho ideias – e título – para a seguinte. Falta-me, todavia, o principal: a vontade de ser útil à sociedade. (Não, não... se o me amigo lhes ler esta carta daqui a algumas décadas, eles desistirão do urinol canino e dos cânticos celestes.) No que toca ao teatro, estou tentado a sacudir-me.
Um abraço de quem se não esquece da sua simpatia para comigo (dos elefantes guardo a memória e a tromba – “hélas” para o marfim...),
Miguel Rovisco
PS – Ouça: se teve o mau gosto de ler a carta até a final, não tenha agora o gosto ainda mais reprovável de entrar imediatamente em contacto comigo. Seria ridículo! Acabei de lhe confessar que, pela minha parte, também simpatizo com a sua pessoa – aliás, você e a jovem Dra. Manuela Pinto Barbosa, do M. da Cultura, foram o único oásis para a minha tromba... Escreva-me antes daqui a um mês ou dois. Melhor: pelo natal, se se lembrar, mande-me um cartão de boas festas.
Carta de Miguel Rovisco para Mário Viegas em 21-07-1986, copiada da AUTO PHOTO BIOGRAFIA de Mário Viegas (1995). Ao lado da carta está escrito pelo Mário:
"Estas cartas contam tudo e são completamente inéditas e geniais. Morreu aliás, com uma carta para mim no bolso. Foi uma paixão. É um CRIME não se publicar a sua obra. Um dos maiores choques que sofri até hoje."
Teatro Politeama (na altura só cinema). 1990. Michel Waldmann.
Foto do Arquivo Fotográfico da CML.
Mário Viegas reabriu o Politeama em
1989, para o teatro com a peça FINAL de Samuel Becket, no horário da 2ª
matiné (19h00), enquanto era explorado como cinema á tarde e á noite.
Tínhamos andado, em 1988 e 89, com a peça "Deus os Fez, Deus os Juntou", por "todo" o país e pelo estrangeiro e o Mário pensava em vários projectos para continuarmos. Nesta altura jantávamos quase todos os dias juntos, quando ele me falou da peça do Beckett e que material seria necessário. Fomos ao Politeama ver as condições e luzes de teatro não tinham nada. Assim o Mário pediu à Secretaria de Estado da Cultura alguns projectores e a mesa de comando. Passei cerca de três noites no Politeama depois da última sessão de cinema, o que quer dizer que só começava a trabalhar por volta da meia noite. Estava sozinho e digo-vos que é um bocado assustador estar num edifício antigo, sozinho, ouve-se o ranger das madeiras e parece-nos outra coisa. Tentava não pensar nisso e lá ia fazendo o trabalho de iluminação, que foi difícil, porque a parte principal da iluminação, teve que ser montada no "galinheiro" e dentro do palco não havia sitio para pendurar projectores. Tive que os pendurar na cortina corta-fogo (que é toda em metal) e segurá-los com arames e lá se fez um trabalho decente.
Na foto vê-se bem o galinheiro onde montei os projectores principais.
Foto de 1944/45 de Estúdio Mário Novais e Fundação Gulbenkian
Fotos do Hall do Teatro Politeama.
Fotos de 1944/45 de Estúdio Mário Novais e Fundação Gulbenkian
Final/End Game/Fin de Partie
de Samuel Beckett
Encenação de Mário Viegas (1989)
Foto de ensaios (creio que nas caves do cinema Europa).
Foto de ensaios (creio que nas caves do cinema Europa).
Noticia no Diário Popular, sobre os ensaios e capa do programa.
Mário Viegas, Manuela de Freitas, Glicinia Quartin e
José Mário Branco. Os actores de Final de Samuel Beckett.
Critica de Manuel João Gomes no Jornal de Letras e
Critica de Carlos Porto no Diário de Lisboa . Clique para ler.
Glicinia Quartin e José Mário Branco em Final de Samuel Beckett.
Mário Viegas e Manuela de Freitas em Final de Samuel Beckett.
Mário Viegas e Manuela de Freitas em Final de Samuel Beckett.
Noticia e anuncio dos últimos dias de representação de Final de Samuel Beckett.
O grande Samuel Beckett assistindo ao ensaio de uma das suas peças.
foto sem data nem local encontrada na net.
Foto de ensaios (creio que nas caves do cinema Europa).
Foto de ensaios (creio que nas caves do cinema Europa).
Noticia no Diário Popular, sobre os ensaios e capa do programa.
Mário Viegas, Manuela de Freitas, Glicinia Quartin e
José Mário Branco. Os actores de Final de Samuel Beckett.
Critica de Manuel João Gomes no Jornal de Letras e
Critica de Carlos Porto no Diário de Lisboa . Clique para ler.
Glicinia Quartin e José Mário Branco em Final de Samuel Beckett.
Mário Viegas e Manuela de Freitas em Final de Samuel Beckett.
Mário Viegas e Manuela de Freitas em Final de Samuel Beckett.
Noticia e anuncio dos últimos dias de representação de Final de Samuel Beckett.
O grande Samuel Beckett assistindo ao ensaio de uma das suas peças.
foto sem data nem local encontrada na net.